Douglas Coupland é um romancista canadiano nascido em 1961, com uma vasta obra centrada, entre outros temas, no impacto que as tecnologias da informação tem na nossa vida quotidiana. Este pequeno texto acompanha-me há muito:
Pergunto-me se realmente todas as recordações são iguais ou se algumas são “mais importantes” do que outras. Como muitas pessoas da minha idade, estive exposto a quantidades extremas de informação e diversão bem produzidas, de alta qualidade, desde o momento em que nasci. No outro dia vi um anúncio de bolos instantâneos na televisão, um que não via há vinte anos, e num repente lembrei-me de todo o anúncio, como se tivesse acabado de o ver há cinco minutos. Portanto, creio que tenho a cabeça cheia com uma série quase interminável de quadros de consumo produzidos pelas empresas, de diversos comprimentos. Estas “outras>” recordações comercializadas estão todas na minha cabeça, algures, e isto é realmente uma coisa que dá que pensar.
Como seria nunca ter tido na cabeça estas imagens comercializadas? Como seria se eu tivesse crescido no passado ou numa cultura não mediática? Continuaria a ser “eu>”? Seria a minha «personalidade» diferente?
Creio que o acordo tácito entre nós enquanto cultura é que não devemos considerar reais as recordações comercializadas na nossa cabeça, é que a vida real consiste em tempo passado longe dos televisores, das revistas e das salas de espectáculos. Mas em breve o planeta será inteiramente povoado por pessoas que só conheceram um mundo com televisores e computadores. Quando esse dia chegar, teremos ainda noções de identidade anteriores à televisão? Provavelmente, não. O tempo continua, sempre: em vez de comprar adornos azuis do Presidente Mao, compramos na Gap. É o mesmo. Toda a gente viaja para toda a parte. “Lugar” é uma anedota.
E aqui está uma coisa que todos notamos: durante as falhas de corrente cantamos canções, mas no momento em que volta a electricidade, atomizamos.
Escolhi viver a minha vida como uma permanente falha de corrente. Olho para os ecrãs e para as páginas das revistas e não deixo que se tornem memórias.
Quando conheço pessoas, imagino-as num mundo de trevas. As únicas luzes que contam são o sol, velas, lareira e a luz interior, e se por vezes te pareço estranho é só porque desliguei a corrente, tentando ajudar ambos, tentando ver-te a ti e a mim como as pessoas que realmente somos.
POSTAL N° 2: FALTA DE CORRENTE in “Polaroids de Pessoas Extintas”, Teorema, Lx, 1996
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